sss



10 fevereiro 2008

O Senso e a Cidade l Desejos antecipados


aqui página 6 ou
José Tolentino Mendonça escreveu que levamos anos a esquecer alguém que apenas nos olhou.
Há dias cruzei-me com um viajante do mundo apaixonado pela minha Lisboa. Sobre um registo em papel de destino inseguro e numa cumplicidade quebrada num vão de uma escada de Alfama, o testemunho vivo do movimento da cidade.
Num reencontro adiado, hoje por estas linhas, a visão estrangeira de uma feira que não nos rouba nem nos ladra, e que apenas vai enaltecendo as madrugadas e manhãs de um bairro cheio de Graça:
Não deve haver outro lugar em Lisboa ao qual voltei tantas vezes, tantos sábados, algumas terças, e nunca me topei com uma feira igual a outra. Teimosa e carinhosamente, melhor cedo, espantando aos meus amigos que a sexta à noite me via voltar para a cama a horas de dia laboral, quase sempre com pouco dinheiro e nunca pronto para confundir o valor com o preço das coisas.
Continuo maravilhado de pensar que esta feira, possivelmente não me canse nunca. E se a feira não me cansa, a cidade que a esconde também não, e chega logo ao coração uma sensação de alívio, de descanso, de saber que por uma vez não será preciso fugir em poucas semanas, que se calhar ainda são possíveis os amores eternos.
A feira muda sempre, muda-se a si própria como procurando algum sinal externo que lhe devolva os traços de uma vez passada. A feira muda como fala, como escreve a sua papelada velha, com rapidez e “nocturnidade”.
Vá se a feira para encontrar, para se encontrar a um próprio nalguma verdade esquecida que pode aparecer em velhos livros, onde até podem aparecer os nossos desejos antecipados.
coluna de opinião publicada a 11 de Fevereiro no Meia Hora

Sem comentários:

Enviar um comentário