26 abril 2010
menino do rio
a transpiração sublime de mais um abraço à minha cidade, de um escritor que escreve sempre com as sensações coladas à pele.
Não tinha sequer pensado em escrever-te, ando cansado de ti e do teu humor de merda em tantas tardes de chuva. Ia escrever sobre o Rio de Janeiro e os cariocas que graffitaram o Cristo Redentor com a frase: “Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa.” Mas depois saí de casa por causa do sol e comprei um cornetto de morango e, juro-te, há sempre miúdos com uma bola na minha rua. Hoje, finalmente, a bola fugiu para os meus pés e dei dois toques antes de passá-la. O dia corria-me bem até porque numa esquina da praça já não se vendem castanhas mas morangos gordos e mangas cor de fogo. E, nas escadas de pedra, encontrei adolescentes que, estou certo, se baldaram à última aula para fumar ganzas e namorar como nos filmes que vêem nos portáteis – ela com a mão no queixo, ele com a franja nos olhos. Mais a asiática linda com óculos escuros de diva e cabelo de guerreira ou a miúda ao telemóvel com a mãe, que pedia dinheiro para a renda e não sabia se ia receber uma bolsa: “Mas tenho fé”, copiei da boca dela para o meu bloco de notas. Queria falar do Rio de Janeiro, mas por causa de uma limonada no Chiado, das estrangeiras giras com ombros de alças e chapéus de palha, por causa de todos os coxos e cegos e janados que pedem esmola, por causa dos ciganos que me tentam vender haxe, por causa dos prédios que ardem junto da minha casa, devolutos, esquecidos, sem ninguém que faça vida neles há décadas, por causa do que me fodes o juízo e de tudo o que me dás, estou a escrever-te a ti. Porque sabes, Lisboa, às vezes estás-me tão entranhada.
publicado a 22 d Abril na crónica diária do viajante, no jornal i
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elevando-me,
Lisboa mexe
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