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22 abril 2010

nesses dias distantes



O registo foi uma das imagens que não preciso de visualizar para me lembrar de um país que me alterou para sempre. Tudo o que recolhi, tudo o que deixei para trás e permitiu um reabraço à cidade que me move todos os dias a montanhas elevadas. Sim, sempre gostei de grandes conquistas.

Hoje a minha memória voltou a tropeçar na Grécia, culpa das palavras da Economist apanhadas no Diário Económico de hoje, ou pelos artigos sempre fulgurantes de um grande amigo também viajante desta cidade. Na extensão das suas palavras um testemunho de uma grega, que por breves instantes reflectiu a minha memória num espelho.

Diante de Maria Kyriakopoulou, em Madrid, não passaram dois segundos até que ela referisse, com o sorriso dos vencedores, a final desgraçada do Euro 2004. Por estes dias, mostro-lhe Lisboa, e ela espanta-se com a serenidade, a beleza e o potencial da cidade. Chegou a parar numa imobiliária para ver preços de casas. Diz-me que não há voos directos entre Atenas e Lisboa: “Os senhores da Europa não querem estes países juntos.” Comparamos os dois povos e, a meio do almoço, garante-me que a preguiça do serviço de mesas é igual na Grécia e em Portugal. Quero que goste da minha cidade e mostro-lhe o Tejo num miradouro. Ela está convencida. Responde-me com uma descrição das ilhas gregas. Há uma sintonia e uma partilha que talvez não conseguisse com um alemão. Somos, eu e Maria, filhos de países pobres que se comportam como novos ricos. Conhecemos o melhor destas nações mas tememos que o desperdício das oportunidades, nos últimos 30 anos, tenha causado demasiados estragos no coração do povo. Explico-lhe que 48 anos de uma ditadura pobre, liderada por um merceeiro cruel, nos domesticaram o sangue. Ela responde que os turcos ocuparam a Grécia durante cinco séculos. E pergunta-me se, como no seu país, por causa do plano de austeridade do governo, não saímos para a rua com pedras e paus e carros incendiados. Penso no PEC, na greve dos enfermeiros, na ocupação do centro de saúde de Valença. Não me lembro das últimas granadas de gás lacrimogéneo nas ruas. O nosso povo é sereno. Talvez isso sossegue os senhores da Europa.

A Grécia ofereceu-me a felicidade de mão beijada. Tal como a Maria espantei-me com a cidade e o privilégio de ter lá vivido de braço dado a gregos, obriga-me a partilhar a vitalidade de uma cidade, que embora caótica e pouco civilizada, esconde tesouros inimagináveis: a alegria, a sofisticação, a generosidade ou mesmo um ego invejável. Invadidos várias vezes ao longo da sua história, não há Venezianos, Otomanos ou Segunda Guerra Mundial que fragilize as boas vibrações das abençoadas terras helénicas. Um país onde sempre me senti em casa e que tanto me ensinou sobre a dignidade do ser humano.

Concordo com o meu amigo sobre a não cumplicidade com qualquer país germânico ou calvinista. E se nãogás lacrimogéneo nas ruas de Lisboa, lamento o excesso de sorrisos tristes, mas isso já nós sabemos que é culpa do delicioso fado.

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