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17 novembro 2010

'o coração dos homens'



respira fundo. 'Porque é fim-de-semana e tens sentido a tristeza gasta de um falhado, sai da cama devagar, abre as janelas e toma um bom pequeno-almoço – omelete de tomate, laranjas espremidas com as mãos, pão alentejano no consolo da torradeira. Depois, quente e preguiçoso, regressa aos lençóis frescos, encontra o teu sítio na almofada e se tiveres a fortuna de poder beijar alguém, pousa primeiro os lábios na curva entre o ombro e o pescoço. Então, ataca, mas que sejas leve, que tenhas tempo para tudo. Mais tarde, já com o coração a reduzir o galope, os músculos em levitação e a boca a pedir água, podes dormir mais. Hoje, não ligues o telemóvel, abdica de narrar a tua vida em emails e redes sociais. Não alimentes a electricidade estática do teu cérebro nem a ansiedade televisiva de querer saber tudo em tão pouco tempo. Tem calma. Caminha longe dos motores, procura um jardim onde ainda sobrevivam buganvílias. Não digas nada. Experimenta viver sem ruído. No final da tarde liga aos teus amigos ou fala com a família. Marca um jantar, pega numa faca e acende o fogão, serve vinho a quem aparecer, toca no corpo daqueles que te fariam falta se ficassem doentes e toca-lhes porque também precisam. Nunca nada é tão dramático como parece. Vai ser fodido, Portugal, mas quando tudo parecer em chamas lembra-te do admirável poder do toque – a cara barbeada do teu pai quando o beijas, a mão que te compõe a franja, um pé procurando outro pé, sobre o lençol, a meio da noite – e talvez percebas que tudo tem que voltar a ser muito mais simples'.

texto de Hugo Gonçalves para o jornal i

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