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16 agosto 2009

as três vidas



um viajante da cidade imagina-me a desfrutar alegremente de momentos com o qual até poderia ter muito pouco a ver. mas essa – confessa-me – parecia-lhe ser precisamente uma das minhas grandes qualidades: apreciar pessoas e coisas tão diferentes de mim. e chama-lhe de qualidade rara.

foi preciso tempo para amadurecer. o crescimento e o meu esclarecimento sobre o funcionamento do Mundo levou-me a uma intenção transversal, onde me revejo nas muitas vidas que paralelas seguem um caminho. lado a lado. e se uns dias sinto também o peso sobre os ombros, ou a intensidade das camadas da solidão, hoje rasgo o sorriso quando caminho pelas ruas da cidade. o edifício já abanou, mas nunca ruiu.

jamais me sentirei pronta para o Mundo e são muitos os dias em que admiro sem partilha, o testemunho do homem de braços largos, que apenas fala no meu silêncio mais puro. e com a certeza de me sentir protegida no espectáculo enfadonho e miserável da existência, aceito os desertos sem água, muitos deles sem resposta, muitos deles sem verdade.

num destes dias cruzei-me finalmente com o autor deste livro. um amigo comum já me tinha falado muito dele, com a descrição de que era um companheiro de desafios sempre superados e com quem se poderia contar em caso de vida ou de morte. pouco sabia sobre ele, a não ser um livro de capa a preto e branco com um titulo a néon cor-de-rosa, com o qual muitas vezes me cruzava nos cúmplices corredores da FNAC do Chiado.

Quid Pro Quo e troco uma segunda pele da criarte com o último dos seus romances. um negócio injusto depois da intensidade das palavras que me iluminaram nos últimos dias. Ruy Belo será sempre um dos meus autores poderosos, mas sei reconhecer que há confirmações nas palavras dos outros que nem às paredes confessamos.

as verdades tropeçam pela noite dentro.
num conjunto de viajantes há sempre um que tem um brilho maior. hoje reconheço a diferença pela verdade: só sei viver assim e faço-o por conta e risco. e nesses minutos revejo-me numa das linhas mais poderosas destas páginas: se procurarmos a verdade, não devemos fazer pequenas concessões que, mais cedo ou mais tarde, acabam por se transformar em monstros de egoísmo que pedem incessantemente por mais.

nas palavras do autor observo-me no brilho incandescente, uma resposta a muitas das questões partilhadas. é desafiante viver o presente: o passado molda-nos, o futuro oferece-nos a ansiedade e o sonho. (renderei-me sempre à ansiedade como a última opção. darei primazia ao sonho). e confesso ainda que me revejo na esperança, mas descarto o temor para resolver os mistérios do Mundo.

a grande resposta estava afinal na última página. por isso recolho todas as palavras - as do livro e as outras - com um imenso abraço.

e hoje, enquanto os caminhos não recomeçam,
construo um corpo iluminado por dentro.
e imagino-me
por momentos, debaixo de uma árvore a fechar os olhos.

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