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31 março 2010

limpar Portugal


chegou à Lisboa para investigar a propagação dos fogos nas florestas e quatro anos passados, com um doutoramento defendido na mochila insiste em permanecer na nossa cidade, como se não houvesse medição de tempo.
o viajante francês foi o meu companheiro na aventura limpar Portugal no passado dia 20. em respeito à natureza do Universo, a nossa escolha para limpar a floresta aconteceu na Serra de Sintra e depois de uma carrinha cheia de lixo apenas uma invulgar perplexidade perante os tesouros encontrados: quem se dá ao trabalho de abandonar famílias inteiras de loiça de casa de banho por estrear no meio da serra?

30 março 2010

m.u.d.e.



ou a extensão das paredes brancas.

29 março 2010

GQ l Pelas ruas da cidade



Na excelência do Sul
Sim, sou humilde suficiente para saber que é um desafio descrever por palavras o Vila Joya. Um hotel de charme encantador, com o único restaurante com duas estrelas Michelin, isso já se sabe. Mas o hotel boutique é muito mais que isso e só quem vive a experiência, percebe o que tento partilhar por estas linhas. Uma segunda casa, uma casa de amigos onde somos acolhidos com imenso carinho e elegância. E seja pela serenidade da Joy, proprietária do hotel, seja pela simpatia do Diego que nos recebe como ninguém, pela eficiência do Paulo ou do Marco que se destacam na sala de jantar, o Vila Joya são pessoas, as pessoas que fazem acontecer um dos mais bem escondidos paraísos atlânticos. O Internacional Gourmet Festival – Trubute to Cláudia (mãe da proprietária que um dia sonhou este hotel) voltou a acontecer no primeiro mês do ano e confirmou toda a dedicação e beleza que a Vila Joya me habituou. A rendição foi sublime e na memória partilho do dia inaugural, o Fígado de ganso com rui barbo e framboesa e o Esparguete de atum com pêra abacate e gengibre. No segundo dia com o tema Kochina & friends, o robalo com alcachofras e trufas de Périgord por Nicolas Isnard, a delícia Nespresso por Peter Schachermayer e a bola de açúcar criola com espuma de chocolate Jivara e gelado de tâmaras por Kochina. Ao terceiro dia subi ao céu, pela exuberância da selecção de Tomates verde, vermelho e amarelo, da autoria de Dani Garcia. Para salvação dos ponteiros da balança o Festival já acabou, mas para o restante ano dourado, o Vila Joya guarda como um tesouro, não apenas o chefe Kochina, ou um hotel com uma equipa notável, mas o mais distinguido manjar dos deuses com uma vista deslumbrante, sempre sobre águas do Sul.
Vila Joya
Praia da Galé, Albufeira
Tel. 289 591 795
www.vilajoya.com
Restaurante Vila Joya 12h – 15h30 e 19h – 24h

A cidade pulsa
'Uma cidade pode ser um coração'. Albano Martins escreveu a frase e eu assino por baixo, quando se fala da cidade do Porto. Na extensão de uma cidade cada vez mais apetecível, consegui finalmente comprovar a fama de um dos mais badalados restaurantes do Porto. Distinguido pela Wallpaper como dos cinco melhores novos restaurantes do Mundo, o restaurante, que é também um cocktail bar e um salão de chá, foi o único representante português do top five de finalistas do concurso 'Best New Restaurant'. A competição passou pelo Tegui de Buenos Aires, o Terzo Piano de Chicago, o DamUm de Seul, e o Kaá de São Paulo que conseguiu o lugar vencedor. E sim, mais uma vez comprovo que o Porto ganha a passos largos à capital no que toca a restauração. Porquê? Pela sofisticação. O projecto de interiores Paulo Lobo marca muitos pontos neste cartão-de-visita da cidade. E se o Porto me surpreende sempre, não tenho dúvida que a qualidade é enaltecida pela simpatia natural de quem lá habita. A juntar ao ambiente e serviço extraordinários, a carta é bem representada, com sugestões de influência portuguesa a passar também pelos risotos ou a carta de sushi. Mas é na hora do chá que atribuo a nota vinte a um dos espaços mais trendy do Porto. A qualidade extraordinária dos scones, da pastelaria diversa e dos salgados miniatura, acompanhados de uma completa lista de chás que vão desde o Japão, Vietman, China, Formosa, China ou Índia confirmaram-me que este é sem qualquer dúvida o melhor chá que já provei em Portugal.
Buhle
Avenida Montevideu, 810 Porto
Tel. 22 010 9929
www.buhle.pt
Todos os dias das 12h30 – 15h30 e das 20h – 00h
Sex e Sáb encerra às 00h30
Chá das cinco €10
Chá das cinco Buhle €15

O esgotado é o mais apetecido
A edição especial é irresistível e difícil de encontrar, mas quem me conhece sabe que raramente me cruzo com a palavra 'impossível'. Na versão Rose Imperial a cor incandescente do Moët & Chandon eleva-se pelo o aroma dos morangos, das framboesas e pelas passas de corintos vermelhos, fundidas pela frescura do espinheiro e leves notas de pimenta. Na extensão da sensualidade da especiaria, ainda duas flutes e um par de dados para estender a imaginação.
Moët & Chandon Rose Imperial
Wine O'Clock
Rua Joshua Benoliel, 2B Lisboa
Tel. 21 383 3237
Rua de Sousa Aroso, 297, Matosinhos
Tel. 22 936 3127
www.wineoclock.com.pt
www.moet.com
Seg a Sáb 10h 20h30
€106,85

PersonalTime Newsletter | Abr 2010



Em plena Primavera os ‘cupcakes’ inundam a cidade de sabores surpreendentes,
cobrindo a capital de magia e criatividade. Também em destaque este
mês, a reflexão intensa sobre o mundo contemporâneo, numa exposição de
Robert Longo, a qual não deverá perder, até 15 de Abril, no Museu Colecção
Berardo. Entre a realidade e o sonho continua também a acontecer, agora à
sexta-feira, a PersonalTime no seu tempo mais puro.

explore a PersonalTime aqui e leia a newsletter aqui.

26 março 2010

nós e as palavras II

na morada antiga o filme 'roubado' chega-me pela partilha de um português a viver em Nova Iorque. Lindsay Armstrong do Huffington Post escreve 'Portugal's New Bike Paths'



'We just stumbled across an awesome bike concept: Portugal has taken the functional and made it beautiful. Instead of the arrows or stick figures you might normally see adorning a bike lane, this one in Lisboa is printed with a poem by famous Portuguese writer Fernando Pessoa. The path is situated along the Tejo river and the poem is an homage to the river in the writer's home town. Can't make it to Portugal anytime soon? Watch this video for a vicarious ride along the poetry-dappled path'.

25 março 2010

Lisboa eleita



Das cidades seleccionadas pela Associação dos Consumidores Europeus, para a votação a 'Melhor Destino Europeu 2010', Lisboa venceu entre Barcelona, Londres, Berlim, Praga, Bilbao, Helsínquia, Lyon e Amesterdão.
Lisboa é 'uma cidade que soube preservar toda a sua alma e oferecer uma porta de entrada ao Turismo, sem esquecer as suas riquezas sociais e culturais'.
mais aqui.

24 março 2010

o naufrágio II


mesmo as pegadas do que fui, e que são os meus livros,
agrada-me mais imagina-las do que revê-las na realidade insofismável
do que neles está escrito. a animação que os aqueceu dissipou-se
e é-me impossível recurera-la inteiramente
como à pessoa que de mim está numa velha fotografia.

olho a fotografia e reconheço-me nos traços.
mas que pessoa está por trás deles?

nesses dias distantes

- Look at my watch.
- Why should I?
- Just for a minute ok?
- Times'up. What now?
- What's today's date?
- The 16H.
- April 16Th 1960, one minute before 3:00. We were here together.
I'll always remember that minute because of you.
From now on we're one-minute friends. It's a fact you can deny it.
It’s already happened.
(mais aqui).

23 março 2010

poesia para vestir



'são frases, versos, palavras de poetas e escritores que ficaram na história das letras e que uma empresa decidiu espalhar por aí, em t-shirts que andam por aí, a espalhar a poesia que vem nos livros que muitos não lêem. É outra maneira de celebrar o dia Mundial da Poesia. Vistam-na e se puderem não deixem de a ler. São da criar-te, estão à venda em cerca 30 locais em todo o país'.

publicado no suplemento Outlook do Diário Económico dia Internacional da Poesia, 20 de Março. mais aqui e aqui.

22 março 2010

strenesse



no regresso à morada onde o voo permanece,

'sou livre posso imaginar tudo'.

20 março 2010

mayis sikintisi



a sala não estava cheia, mas encheu a alma a quem se rendeu às Nuvens de Maio, o último filme a passar no festival Pontes para Istambul que aconteceu no CCB entre o dia 1 e 20 de Março.

na fita 'um cineasta regressa à pequena aldeia onde nasceu, na Anatólia, para filmar a idílica paisagem local, mas verifica que o seu pai está quase a perder as terras familiares que vêm de gerações anteriores'.

a serenidade que Nuri Bilge Ceylan regista neste bocado de céu e que tive o privilégio de absorver na sala escura transportou-me à lembrança de um avô longínquo e ao dia da sua partida. não chovia nesse dia, mas cheirava a pinheiros como nunca antes o sentira naquela morada.
e na ternura de todos os momentos que a minha criança guarda como um tesouro antigo, recordei a magia de pequenas coisas, tão simples e que me faziam voar sempre tão alto.

hoje,
não sei se será com a palavra responsabilidade que terei direito ao desejo
e ao sonho, mas posso imaginar o dia da partida,
assim serena,
como quem pedalou a vida toda e descansa de olhos fechados
na sombra de uma árvore.

19 março 2010

seriously ll



para ser romancista, poeta, músico, pintor,
antes de mais nada

é preciso saltar para cima do telhado da casa em que nascemos.

seriously



tinha sido avisada várias vezes da nova fita dos irmãos Coen. 'o filme não é leve' ou 'não esperes uma resposta no final'.
há dias em que só a leveza das histórias nos eleva, mas jamais achar que a aderência à sala escura tenha como objectivo a distração da parte mais densa de estarmos vivos. ao contrário dessa fuga à transparência ou à verdade das nossas emoções e vivências, escrevo com certeza que a cadeira do cinema onde nos sentamos leva-nos muitas vezes bem mais longe do que alguma terapia ou psicanálise.

em clareza, junto-me ao grupo de quem acha que este filme merece a nomeação de melhor filme. e se todos os dias acordo sem livro de instruções, ou formulas matemáticas para a experiência de mais um dia de vida, recordo com humildade o epílogo do filme que nos é entregue de braços abertos no início da história,

'recebe com simplicidade tudo o que te acontece'.

18 março 2010

páginas para comer



não era ainda adolescente quando me lembro do meu pai a correr Rua do Alecrim a baixo atrás de um ladrão de livros. é que mais profunda do que qualquer crise de fome é a crise da alma e nesse estado de espírito, onde a procura de alimento é mais intensa, os livros são parte da salvação.

pecado ou não,
a verdade é que acho este artigo uma delícia.

17 março 2010

a casa e as histórias



Antonioni, Godard, Truffaut ou Bergman serão alguns dos nomes verbalizados no curso 'Ver cinema com outros olhos'. Com apresentação dia 25 de Março na Casa das Histórias, o curso será conduzido por João Braz, com encontro marcado das 18h às 20h todas as quintas-feiras. Uma viagem pela história do cinema, pelos seus heróis e realizadores, com um objectivo,
ver as fitas por outros olhos.

blow up aqui e aqui.

respiro



quando estás vestida, ninguém imagina os mundos que escondes.
assim, quando é dia, não temos noção dos astros que luzem no profundo céu.
mas a noite é nua, e, nua na noite, palpitam teus mundos
e os mundos da noite. to be continued.

16 março 2010

discurso directo



'dizia o Rilke (e sabia-o como ninguém) que é preciso ter visto bastantes cidades para escrever um único verso. Mais óbvia ainda me parece a necessidade de ter lido muitos livros. E quanto a almas e corpos...nem se fala. Mas acontece-me, não raro, que todas essas experiências se confundam: tenho desejado e amado certas cidades como se fossem mulheres, tenho "lido" certas mulheres como se fossem livros e tenho encontrado em certos livros, o caminho para algumas mulheres, o caminho para algumas cidades. Os melhores poemas resultam mesmo de toda esta confusão.'

synecdoche




ou 'os prisioneiros do tempo perdido'.

15 março 2010

a importância da inocência



A escrever o seu primeiro romance - O Museu da Inocência - desde que recebeu o Prémio Nobel - Istambul, Memórias de uma cidade - Pamuk foi recolhendo objectos. Objectos que se infiltravam na história, outros que ele procurava quando a história ficava parada à espera de algo que a fizesse andar. Às vezes era alguma coisa que estava na montra de uma loja, outras no apartamento de um amigo, ou num mercado de rua.

"Quero encher [o museu] modestamente com as coisas que fazem a cidade, que fazem qualquer cidade", explicou ao "New York Times". "Quero que o meu museu seja o museu da cidade, que inclua tudo, desde mapas das ruas, a fechaduras, a maçanetas de portas, passando por telefones públicos e o som das sirenes de nevoeiro".

nos dias não distantes, em que no paralelo dos romances do autor recolho também a minha identidade mais sublime, a importância da inocência e as imagens de Ara Güler.
mais aqui.

13 março 2010

coming soon



finalmente a resposta a este post.
vai ser no Chiado, no número nove da Rua do Carmo.

12 março 2010

no dia em que o céu me recebeu



perguntam-me então como é que uma uma filha de um alfarrabista fica deliciada com a abertura de uma livraria? estou a falar da Assírio & Alvim e da inauguração da sua livraria definitiva, hoje no Chiado.
e sim é um grande acontecimento e talvez o melhor presente no dia em que volto a agradecer a vida e os dons concedidos. para marcar a abertura todos os livros estarão à venda - hoje e amanhã Sábado - com cinquenta por cento de desconto sobre o preço de catálogo, excepto novidades.

os amigos silênciosos são e serão sempre,
o melhor de todos os presentes.

(fica a dica para caso de dúvidas) :-)

11 março 2010

waggle



as mulheres que mais amei
tinham todas raízes e asas.

10 março 2010

blue fish



olhem sempre em frente, olhem para o Sol, não tenham medo de errar sendo originais, iconoclastas e anti, o mais anti que puderem,

e verdadeiros,

fugindo aos velhos caminhos trilhados. (...) cultivem a inquietação como uma fonte de renovamento.

09 março 2010

eu, Alice



Alexandra Prado Coelho escreveu no Ípsilon que a versão de Tim Burton do País das Maravilhas é negra. Escreveu bem. Não tenho qualquer dúvida, quando recuo na memória e recordo que a Alice no país das Maravilhas não era a minha história preferida. Um bela acordada por um beijo, a antítese de uma maça envenenada ou mesmo a ideia de uns sapatos de cristal, todas as histórias eram mais desejadas do que a menina que um dia se mostrava no outro lado do espelho.

Apreciadora da imaginação concretizada de Tim Burton percebo a sua eleição por uma história que vive tão próximo da nossa realidade. Alice in Wonderland não me surpreendeu e a sensação é justificada pelo barulho criado à volta de um filme que me comprova, mais uma vez, que a satisfação será sempre igual à realidade menos a expectativa. A fita é bonita, é criativa, é inteligente, é Tim Burton. Mas mais genial do que tudo isso é a imaginação de Louis Carroll que escreveu uma história para crianças e adultos. E hoje, depois de um caminho talhado pela palavra experiência, delicio-me com a genialidade de cada personagem, de cada símbolo, que estende o nosso lado mais íntimo ao mundo imaginário.

O encaixe com a realidade é estóico. No final não nos temos de confrontar com a utopia de que a menina viverá feliz para sempre. Ainda a importância da chave, a escolha das portas, a variação da grandeza de Alice faz-me reconhecer a humanidade da personagem. Ao longo da história, a sua confiança no desconhecido e o mais sublime de tudo: a fuga antes da decisão.

Um verdadeiro manicómio ?... talvez. Para mim real. Muito. É que é na inteligência das pequenas e grandes loucuras, que todos os dias me vou tornando cada vez mais sábia, eu diria.

08 março 2010

A cidade na ponta dos dedos l Afinal o que importa são os bolos



clique na imagem ou se é assinante do Expresso aqui.

Dignos das personagens da série ‘O Sexo e a Cidade‘, do filme ‘Maria Antonieta‘ de Sofia Coppola, ou da ‘Pastelaria’ de Mário Cesariny, os ‘cupcakes’ invadiram Lisboa ao som dos auscultadores mais cool do momento.

publicado a 6 de Março na Revista Única do Expresso.

07 março 2010

les chansons d'amour


un dialogue de sourds
parfois, crois moi, on doit se taire,

les mots de trop
il faut se taire.

o naufrágio



"Na semana passada li na imprensa uma frase terrível. A frase era de um pescador sobrevivente do naufrágio da traineira Delfim, ao largo da Costa da Caparica, num destes dias de mau tempo que têm marcado um Inverno especialmente rigoroso. Uma onda gigantesca foi ao encontro da embarcação, esta virou-se, os pescadores ficaram debaixo, um desapareceu logo, outros dois deram as mãos. Um destes, de nome Pedro, tinha 25 anos; o outro, 62.

Ao fim de uma hora e tal, o mais velho morreu. E sobre o que depois se passou, Pedro disse a seguinte frase:
– Senti que ele estava morto mas não lhe larguei a mão, para não ficar sozinho.
Esta frase ficou a matraquear-me o espírito. «Não lhe larguei a mão para não ficar sozinho». Para aquele homem perdido no mar, a companhia de um morto era preferível à solidão.

Lembrei-me então de uma história igualmente terrível contada há anos por Clara Pinto Correia. Escrevia ela que, quando trabalhava numa instituição científica nos Estados Unidos, uma colega que ia fazer uma experiência qualquer com um cadáver lhe disse:
– Ao menos vou tocar em pessoas.
A ideia arrepia. Em certas profissões, as pessoas atingem um tal ponto de solidão que a dissecação de um morto se pode transformar num momento agradável porque permite o contacto com a natureza humana.
Em certo sentido, esta história é uma metáfora. Nas sociedades contemporâneas, o problema da solidão tornou-se uma questão central. A solidão das pessoas sozinhas – e a solidão, mais profunda, das pessoas acompanhadas.
A civilização tem evoluído no sentido da desumanização da sociedade, do individualismo, da diminuição das relações entre os humanos em benefício das relações com as máquinas – e isso está a provocar distúrbios sociais de dimensão incalculável.

O meu pai nunca teve televisão. Ou melhor, só admitiu uma televisão em casa mesmo no fim da vida, porque dizia que o televisor era um aparelho diabólico que impedia as conversas em família ou sabotava as reuniões de amigos. E dava exemplos: recebera o convite para ir jantar a casa de alguém, tinham-se posto todos a olhar para a televisão, a páginas tantas começaram a levantar-se, despediram-se – e o ‘encontro’ acabou assim.
Na primeira vez que veio a Portugal depois de um longo exílio na Europa passámos férias juntos numa casa na serra da Gardunha – uma casa alugada a um guarda-florestal – onde no centro da sala havia uma lareira. Como estava frio, acendíamo-la todas as noites. E ficávamos a conversar, olhando para as chamas, que faziam desenhos sempre diferentes.
Um dia ele disse:
– A lareira é a nossa televisão.
E era. O fogo proporcionava imagens fascinantes, de uma grande variedade. Mas entre a lareira e a televisão existia um abismo: a lareira favorecia a conversa, a presença da lareira estimulava o espírito, enquanto a televisão monopoliza a atenção, mata as conversas, quebra a afectividade, gera a solidão. A televisão estabelece uma relação unívoca entre o espectador e o aparelho. Que seca tudo à sua volta.

O meu pai viveu a era da televisão – à qual resistiu sempre, como disse – mas já não viveu a era dos computadores. Ora, esta potenciou brutalmente a solidão introduzida nas sociedades modernas pela TV.
É que, enquanto a televisão ainda pode ser vista em família, em ambiente familiar, o computador é um objecto eminentemente pessoal. Na televisão as pessoas podem ver juntas um filme, um telejornal, uma reportagem – e podem ir comentando o que vão vendo. Embora a regra geral seja o silêncio, de vez em quando aquilo que passa no ecrã provoca uma observação, um comentário.
Mas com a entrada dos computadores na vida das pessoas, nem isso sobreviveu. O computador é de utilização individual, não se usa em grupo. Nos serões familiares, é hoje vulgar ver-se cada um dos membros da família agarrado ao seu computador, mergulhado na sua particular solidão, relacionando-se com um aparelho, mexendo em teclas de plástico.

O computador afastou ainda mais as pessoas umas das outras – criando o homem-objecto ligado à máquina, que serve para tudo: para trabalhar, para conversar com outras pessoas, para jogar, para encomendar compras no supermercado, para movimentar a conta bancária, para fazer sexo (virtual, claro).
No limite, o ser humano tornar-_-se-á um robô que não anda, não fala com ninguém, não vai à rua – e passa 24 horas agarrado ao computador, com os dedos martelando no teclado e os olhos pregados no ecrã.
A mim, isto assusta-me. Mas é certamente um problema meu. Porque as novas gerações nem sequer percebem o problema. Acham normal passar o dia presos ao computador. E, quando não estão no computador, estão a ver televisão, a jogar playstation ou então ao telemóvel, enviando e recebendo mensagens.

E muitos adultos também já estão infantilizados. Há uns meses fui com uns colegas ao estrangeiro. Quando chegámos ao hotel, já noite alta, convidei-os para uma bebida no bar. Tinha sido uma viagem longa de avião e apetecia-me descontrair com uma boa conversa à frente de um copo de whisky – bebida que aliás só me sabe bem em condições especiais.
Sentámo-nos. Encomendámos três whiskies com água e gelo, o empregado pousou os copos na mesa e eu preparei-me para começar a conversa. Disse duas palavras para o ar mas não obtive resposta. Olhei então melhor para os meus companheiros de viagem. Um estava completamente absorto a fazer um jogo no telemóvel, com os olhos vidrados no pequeno ecrã, o outro, também de telemóvel em punho, carregava febrilmente nas pequenas teclas, possivelmente respondendo a mensagens que tinham chegado durante a viagem.

Desisti da conversa. Sozinho, lembrei-me do meu pai e dos serões à lareira, que era «a nossa televisão». Como estamos já tão longe deste tempo! Como nos tornámos tão tristemente solitários, cada um no seu cantinho com o seu telemóvel ou o seu computador – ‘computador pessoal’, como ele próprio se intitula.
Estamos a construir uma sociedade monstruosa, desumanizada, destituída de alma, onde as relações humanas são cada vez mais ténues e utilitárias.
Adquirimos a última maravilha tecnológica convencidos de que, com isso, vamos tornar-nos mais felizes. Mas vamo-nos tornando apenas mais sós. Deixámos de ter vida colectiva. A sociedade é um somatório de milhões de existências individualizadas. Não percebemos a importância da presença humana.
Ou melhor, só a entendemos nos momentos de desespero – em que a companhia de um cadáver pode ser bastante para não nos sentirmos sozinhos."

o texto - precioso em 2010 - é da autoria de José António Saraiva.

05 março 2010

le bel eté

ignite



Ontem finalmente observei o ignite Portugal.
Em apenas cinco minutos, na companhia de 20 slides (15 segundos cada) os oradores falam, falam, falam para partilhar ideias, abordando temas como inovação, criatividade, empreendedorismo ou tecnologia. Curiosa pela iniciativa nascida em Seattle, fui arrastada pelos cinco minutos do rei. Desta vez não escreveu, nem ia nu mas falou - e muito bem - de braços abertos, tendo sido um dos dois melhores momentos da noite. A prova disso é que quando acabaram os cinco minutos - aparece o slide do fósforo e é suposto a plateia bater palmas para entrar o seguinte orador - ninguém se mexeu.
A iniciativa enaltece a nossa cidade sem dúvida, mas dou nota negativa para o jantar que se seguiu. Estranhamente servido pelo Magnólia (escrevo isto porque o Mag da Miguel Bombarda - sim sim miss Lisboa nas Avenidas Novas - é um local sagrado que antecipa sempre as minhas idas ao King de Domingo ao fim da tarde). Era impróprio e a preço muito injusto.
O próximo vai acontecer novamente no Lx Factory a 17 de Junho.
mais aqui e aqui.

04 março 2010

unplug



há grutas misteriosas, azuis-escuras, roxas, verdes e há planícies sem fim de areia branca, lisa. (...) eu sou uma menina do mar. posso respirar dentro da água como os peixes e posso respirar fora da água como os homens. e posso passear pelo mar todo e fazer tudo quanto eu quero e ninguém me faz mal porque eu sou a bailarina da grande raia.
e a grande raia é a dona destes mares.

03 março 2010

os sonhadores



em the dreamers de Bernardo Bertolucci retenho-me na cena do objecto do lume.
não é na pele da divindade corporal de Louis Garrel, conhecido também pelo homem que rouba o sono, mas pelo jovem mais certo, e por isso menos interessante.
a cena, deliciosa, observa que à nossa volta, no mundo, realizamos que há uma certa energia cósmica de tamanhos, de formas. muitas vezes me pergunto qual a gaveta mais certa aos meus objectos incendiados e na incerteza dessa resposta,
the attempt.
é preciso viver, ou como diria um viajante bonito destes que vou atraindo, não ter receio de nos retermos no plástico.

mais cenas onde vale pena a retenção,
aqui.

02 março 2010

sem rede



vivo a vida sem rede e também por isso o privilégio da liberdade.
depois do preview da exposição antológica da Joana Vasconcelos e na distância dos outros media, deambulei pelas enormes divisões do Museu Berardo. a experiência extasiante de conseguir ter por dez minutos a sala dos corações independentes toda para mim (quando lá forem vão perceber porque é uma experiência extraordinária) terá sido um momento raro numa exposição que terá certamente muitos visitantes.

"sem rede" pode ser visitada até dia 18 de Maio. são quarenta obras obrigatórias, com destaque para o extasiante Jardim do Eden (percorre-lo em solidão e em silêncio foi também um privilégio), a Cinderela, Spot me (o closet dos espelhos), Spin (o secador de cabelo mais genial do Mundo) ou o Ponto de Encontro (um carrossel para experimentar e fazer amigos).
todos os dias das 10h às 19h, Sábados até às 22h, não percam e sigam o meu conselho vão a horas improváveis para terem momentos de silêncio elevados.


miss energy



ou a justificação do sentido
no abraço às árvores da cidade.