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17 maio 2010

'escuta-me'



Escuta-me porque hoje não consigo ser irónico. Escuta-me, é sério. Há décadas que andamos nisto, a marcar passo, a assobiar para o lado, somos funcionários do comodismo e cúmplices da trafulhice. Mentem-nos e nós calamos. E um povo de cordeiros terá sempre um governo de lobos. Eu percebo e aceito que temos agora de pagar mais impostos, que os preços vão subir e os salários descer. Mas era preciso chegar até aqui? Era preciso ter a alma, e não apenas o bolso, exangue? Era preciso, durante anos, colaborar com os chico-espertos, os sucateiros, os empreiteiros, os autarcas mafiosos, os ministros desonestos e com reformas milionárias, os banqueiros chupistas e burlões, os traficantes de influências, os empresários que declaram salários mínimos e conduzem Mercedes, os funcionários parasitas e os políticos dissimulados? Era preciso ter um primeiro ministro que nos mente sem pudor? – há menos de um mês disse, no parlamento, que não ia aumentar impostos. Era preciso um governo cobardolas que aproveita a distracção com o Papa – que nos custou milhões de euros e uma tolerância de ponto – para anunciar que estamos entre a espada e a parede? Era preciso um presidente que diz, no santuário de Fátima, “Entendo que não devo fazer qualquer comentário sobre a vida político-económica portuguesa”? Eu sei que temos culpa, que nos comportámos como novos ricos sendo o país pobre, que andámos dormentes. Fomos sempre desinteressados, mansos, totós, egoístas. E hoje estamos de espírito vergado. Temos o que merecemos? Começo, com tristeza e revolta, a acreditar que sim.

publicado a 13 de Maio na crónica diária do viajante, no jornal i

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