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03 julho 2011

'estamos sós com a noite, para salvar um coração'



'aos poucos apercebi-me do modo
desolado incerto quase eventual
com que morava em minha casa

assim ele habitou cidades
desprovidas
ou os portos levantinos a que
se ligava apenas por saber
que nada ali o esperava

assim se reteve nos campos
dos ciganos sem nunca conseguir
ser um deles:
nas suas rixas insanas
nas danças de navalhas
na arte de domar a dor
chegou a ser o melhor
mas era ainda a criança perdida
que protesta inocência
dentro do escuro

não será por muito tempo
assim eu pensava
e pelas falésias já a solidão
dele vinha
não será por muito tempo
assim eu pensava

mas ele sorria
(...)

por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos do mundo.

José Tolentino Mendonça in 'Longe não sabia'

1 comentário:

  1. o terror que temos
    de certos encontros de acaso
    porque deixamos de saber dos outros
    coisas tão elementares
    o próprio nome
    Ouve o que diz a mulher vestida de sol
    quando caminha no cimo das árvores
    «a que distância deixaste
    o coração?»

    Do mesmo autor

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