as fréseas não duram para sempre, mas bastam-me apenas trinta dias para ter a certeza de que o perfume inconfundível de tudo o que devemos recolher neste tempo, deve ser colhido com mãos de veludo. obrigada ao Pedro d’Anunciação pelo artigo.
1931-2011 O Bibliófilo que descobriu primeira impressão em português
Descobriu o Tratadode Confisson, foi poeta, alfarrabista e último presidente da Câmara de Alcobaça antes do 25 de Abril. Morreu dia 14, aos 79 anos, de Parkinson.
Tarcísio Trindade, o bibliófilo que descobriu, em 1965, o mais antigo livro em português e impresso em Portugal, o Tratado de Confisson, revolucionando então a História nacional neste aspecto; poeta de um só livro, Os Meninos e As Quatro Estações, a quem a História da Literatura de António José Saraiva e Óscar Lopes previu futuro risonho; último presidente da Câmara de Alcobaça antes do 25 de Abril; proprietário da Livraria Campos Trindade na R. do Alecrim em Lisboa, transformada em centro de tertúlia literária, morreu 3ªfeira da semana passada, de Parkinson.
Tarcísio já tinha publicado o seu livro de poemas em 1960. Já cultivava amizades como a de Almada Negreiros, ou de António Tavares de Carvalho (que ele empurraria também para a actividade de alfarrabista), Francisco Hipólito Raposo, Francisco Pinto Leite, etc. Amigos dos tempos em que viera para Lisboa estudar Direito.
Mas só em 1965 é que se destacou realmente, com a descoberta do Tratado de Confisson. Era ele então um homem maduro de 34 anos, e estava a preparar-se para o casamento com a lindíssima Mafalda Oriol Pena. Aquela descoberta foi, de resto, um bom impulso de vida, já que o livro seria vendido a Miguel Quina por 400 contos – quantia elevadíssima na época. O preço seria dado como indicativo por um na altura jovem assistente universitário de Letras, José Pina Martins, que divulgou a sua existência em artigo do Diário de Notícias (espevitando a atenção de Quina), e depois baseou na descoberta a sua tese de doutoramento, apresentada em 1974.
Tarcísio pertencia a uma família de antiquários de Alcobaça. Nasceu na ala Sul do Mosteiro de Alcobaça, residência comprada pelo avô, numa altura em que o Estado vendeu bens da Igreja. A opção por Direito deu-lhe conhecimentos de latim, que o ajudavam a esquadrinhar as escritas mais antigas. Deixou o curso a meio, e começou a funcionar como um marchant de antiguidades, e sobretudo de livros antigos, por conta própria e sem estabelecimento. Vasculhava feiras, acorria a zonas do país em que se vendiam patrimónios ainda pouco explorados, e arranjava clientela. Assim descobriu, na Feira do Rastro, em Madrid, o Tratado de Confisson – que terá mostrado ao alfarrabista lisboeta Américo Francisco Marques à procura de cliente.Pina Martins conta a história num texto publicado no site do Instituto Camões. Este Tratado de Confisson, impresso em Chaves em Agosto de 1489, antecipa 6 anos a entrada da tipografia de língua portuguesa no País. Até então era oficialmente dado como livro mais antigo impresso em Portugal o Vita Christi (Lisboa, 1495). Pina Martins conta que, alertado por rumores, foi indagar à livraria de Américo Marques o que se passava. Este pô-lo em contacto com Tarcísio (que voltara a viver em Alcobaça), e com a obra. Atestada a sua autenticidade, saiu o artigo no DN, e Quina comprou-a discretamente, através de uma secretaria que dera morada falsa. Depois, perante o perigo de saída para o estrangeiro, a Polícia pôs-se a investigar, e Quina acabou por deixar a Biblioteca Nacional ficar com o precioso livro.
Em 1969, com o ‘marcelismo’, Trindade acedeu à presidência da Câmara de Alcobaça – o que lhe valeu estar preso alguns meses, depois do 25 de Abril, acusado de ‘fascista’. Foi então que se mudou para Lisboa, estabelecendo-se em frente do antiquário do seu irmão António, na R. do Alecrim.
A vida lisboeta tornou-se-lhe saborosa. Tinha uma boa casa na Lapa, onde ouvia a sua música clássica preferida (Handel e Vivaldi), e passava o dia no Chiado. A livraria Campos Trindade não era apenas um marco de livros antigos (acolheu raridades, como uma primeira edição da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e do Dom Quixote de Cervantes, constando que esta última está hoje na biblioteca particular do Rei de Espanha, para não falar na biblioteca de Cister), mas uma tertúlia de literatos, como António Valdemar, António Pedro Vicente, Artur Anselmo, Luís Bigotte Chorão ou Pais de Brito.
E, finalmente, descobriu-se que nunca fora ‘fascista’. A imprensa regional de Alcobaça celebrou os seus tempos de presidente da Câmara, em que melhorou o ensino no concelho, fez estradas, e teve politicas sociais. Um vereador do PCP lembrou que, quando jovem, ali lançou um centro cultural, e recebeu de Tarcísio todo o apoio.
De novo a cidade o acolheu como provedor da Misericórdia, ou na direcção dos Bombeiros e do Ginásio Clube. Sampaio condecorou-o em 2003. E, em 2009, os amigos dedicaram-lhe um Catálogo, onde, a par das referências extraordinárias da biblioteca, se destaca a sua vida. Mas não voltou a ter ali casa. Tinha-a, sim, na vizinha S. Martinho do Porto, onde já os pais passavam férias, e ele e a mulher davam brado, como belo casal que faziam, nos seus melhores tempos.
14 abril 2011
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gosto muito da primeira frase (que nem me atrevo a reproduzir, dada a intensidade e o sentido que carrega) e gosto da expressão "a vida lisboeta tornou-se-lhe saborosa". mais um excelente (desta vez com mais sentido e força).
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